sexta-feira, 16 de abril de 2010

Beijo de Arlequim

Galera, bom dia!! Acho que estou enlouquecendo KKKKK!!! Acordei hoje de manhã, saí correndo para o banheiro prá tomar banho. Tomei café correndo e quando fui pegar a roupa no armário pra me arrumar, lembrei, estou de folga hoje!! Ai, Deus, me mataaaa!! Falta de atenção é um mallll!! KKKK Bem, conforme PROMETI ontem, hoje vou começar a contar a história de Pierrot, Arlequim e Colombina. Gosto sempre de cumprir com o que prometo...E está ai hoje, para o meu prazer e de todos os que gostam!




O crescente cintila como uma cimitarra. Lírios longos, grandes mãos brancas estendidas para o luar, bracejam nas pontas das hastes. Uma balaustrada. Uma bandurra. Um Arlequim. Um Pierrot. E, sobre as máscaras e os lírios, a volúpia da noite, cheia de arrepios e de aromas.

ARLEQUIM diz: Foi assim, deslumbrava a fidalga beleza da turba nos salões da Senhora Duquesa. Um cravo, em tom menor, numa voz quase humana, tecia o madrigal de uma antiga pavana. Eu descera ao jardim. Cheirava a heliotrópio e vi, como quem vê num vago sonho de trigo, uma morena mulher...


PIERROT: Morena?

ARLEQUIM: Como as espigas... Como os raios de sol no fim de tarde e as moedas antigas... Notei-lhe, sob o luar, a cabeleira crespa, anca em forma de lira e a cintura de vespa, um cravo no listão que o seio lhe bifurca, pezinhos de mousmé, olhos grandes, de turca... A boca, onde o sorriso era como uma abelha, recendia tal qual uma rosa vermelha.


PIERROT Falaste-lhe?


ARLEQUIM Falei...

PIERROT E a voz?

ARLEQUIM Vaga e fugace. Tinha a voz de uma flor, se acaso a flor falasse...

PIERROT E depois?

ARLEQUIM Eu fiquei, sob a noite estrelada, decidido a ousar tudo e não ousando nada... Vinha dela, pelo ar, espiritualizado numa onda volúpia, um cheiro de pecado... Tinha a fascinação satânica, envolvente, que tem por um batráquio o olhar duma serpente... e fiquei, mudo e só, deslumbrado e tristonho, sentindo que era real o que eu julgava um sonho! Em redor o jardim recendia. Umas poucas tulipas cor de sangue, abertas como bocas, pela voz do perfume insinuavam perfídias... Tremia de pudor a carne das orquídeas... Os lírios senhoreais, esbeltos como galgos, abriram para o céu cinco dedos fidalgos fugindo à mão floral do cálice longo e fino. Um repuxo cantava assim como um violino e, orquestrando pelo ar as harmonias rotas, desmanchava-se em sons, ao desfazer-se em gotas! Entre a noite e a mulher, eu trêmulo hesitava: se a noite seduzia, a mulher deslumbrava! Dei uns passos Ao ruído agitou-se assustada... Viu-me...

PIERROT E ela que fez?

ARLEQUIM Deu uma gargalhada.

PIERROT Por quê?


ARLEQUIM Sei lá! Mulher... Talvez porque ela achasse ridículo Arlequim com ar de Lovelace... Aconcheguei-me mais: “Deus a guarde, Senhora!”
- Obrigada. Quem és? - “Um arlequim que a adora!” Vinha do seio dela, entre a renda e a miçanga, um cheiro de mulher e um cheiro de cananga. Eram os olhos seus, sob a fronte bronzeada e breve, como dois astros de ouro a arder num céu de vespertino. Mordia, por não rir, o lábio úmido e langue, vermelho como um corte inda vertendo sangue... E falei-lhe de amor...

PIERROT E ela?

ARLEQUIM Ficou calada... Meu amor disse tudo, ela não disse nada, mas ouviu , com prazer, a frase que renova no amor que é sempre velho, a emoção sempre nova!


PIERROT Que lhe disseste enfim?


ARLEQUIM O ardor do meu desejo, a glória de arrancar dos seus lábios um beijo, a volúpia infernal dos seus olhos devassos, o prazer de a estreitar , nervoso, nos meus braços, de sentir a lascívia heril dos seus meneios, esmagar no meu peito a carne dos seus seios!


PIERROT, assustado: Tu ousaste demais...


ARLEQUIM, cínico: Ingênuo! A mulher bela adora quem lhe diz tudo o que é lindo nela. Ousa tudo, porque todo o homem enamorado se arrepende, afinal, de não ter tudo ousado.


PIERROT E ela?


ARLEQUIM Vinha pelo ar, dos zéfiros no adejo, um perfume de amor lascivo como um beijo, como se o mundo em flor vibrasse, quente e vivo, no erotismo triunfal de um amor coletivo!


PIERROT, fremindo: E ela?


ARLEQUIM Ansiando, ouviu toda essa paixão louca, levantou-se...


PIERROT Depois?


ARLEQUIM , triunfante: Deu-me um beijo na boca! Um silêncio cheio de frêmito. Os lírios tremem.

Pierrot olha o crescente. Arlequim dá um passo, vê a brandura, toma-a entre as mãos nervosas e magras e tange, distraído, as cordas que gemem.


ARLEQUIM Linda viola.


PIERROT, alheado: Bom som...


ARLEQUIM Que musicais surpresas não encerra a mudez destas cordas retesas...

ARLEQUIM olha: Penso, Pierrot, que não existe em suma, entre a viola e a mulher, diferença nenhuma. Questão de dedilhar, com certa audácia e calma, numa...estas cordas de aço, e na outra...as cordas d’alma!


ARLEQUIM Suavemente, exaltando-se: O beijo da mulher! Ó sinfonia louca da sonata que o amor improvisa na boca... No contado do lábio, onde a emoção acorda, sentir outro vibrar, como vibra uma corda... À vaga orquestração da frase que sussurra ver um corpo fremir tal qual uma bandurra... Desfalecer ouvindo a música que canta no gemido de amor que morre na garganta... Colar o lábio ardente à flor de um seio lindo, ir aos poucos subindo... ir aos poucos subindo... até alcançar a boca e escutar, num arquejo, o universo parar na síncope de um beijo! Eis toda a arte de amar! Eis, Pierrot fantasista, a suprema criação da minha alma de artista. Compreendes?

PIERROT, ansiado: E a mulher?


ARLEQUIM, lugubremente: A mulher? É verdade... Levou naquele beijo a minha mocidade.


PIERROT E agora? Onde ela está?


ARLEQUIM, ironicamente místico: No meu lábio, no ardor desse beijo, que é todo um romance de amor!

ARLEQUIM Seduzido pela angústia da saudade: No temor de pedi-lo e na glória de tê-lo... No gozo de prová-lo e na dor de perdê-lo... No contato desfeito e no rumor já mudo... No prazer que passou... Nesse nada que é tudo: O passado!... a lembrança... a saudade... o desejo...

ARLEQUIM Balbuciando: Um jardim... Um repuxo... Uma mulher... Um beijo....
(Longo silêncio cheio de evocação e de cismas).

PIERROT, ingenuamente: É audaciosa demais a tua história...


ARLEQUIM, ríspido: Enfim, um Arlequim, Pierrot, é sempre um Arlequim. Toda história de amor só presta se tiver, como ponto final, um beijo de mulher!...


PIERROT Eu também, Arlequim, nesta vida ilusória, como todos Pierrots, eu tenho uma história, vaga, talvez banal, mas triste como um cântico...

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